Vassouras: o charme da ‘princesinha do café’

Para os aficionados por história e amantes da arquitetura, Vassouras é a joia da coroa no Vale do Café. A cidade floresceu durante os anos de glória do ciclo cafeeiro: ali, barões, viscondes, fazendeiros, intermediários e outros comerciantes fizeram fortuna e ergueram fabulosos casarões, que guardam até hoje características originais do século 19.

Praça Barão de Campo Belo, Vassouras
Praça Barão de Campo Belo, no centro histórico de Vassouras Foto: Liz Batista/Estadão

Muitas dessas construções foram tombadas e passam por processos de restauro e preservação. Contemplada pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Cidades Históricas, Vassouras hoje assiste a prédios (como o Palacete do Barão do Ribeirão, onde funcionou o antigo Fórum da cidade) passarem por um meticuloso trabalho coordenado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). 

Vassouras
O conjunto histórico de Vassouras é tombado pelo Iphan Foto: Monica Nobrega/Estadão

Coração e cartão-postal da cidade, a Praça Barão do Campo Belo é um ótimo local para iniciar o city tour. No alto está a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, construída em 1828 com toques de barroco e rococó. Antes de o café se transformar na principal fonte impulsionadora da economia local, Vassouras era conhecida por ser ponto de parada para quem transportava ouro de Minas Gerais até o Rio de Janeiro

Esse intercâmbio fica evidente quando observamos as palmeiras imperiais que circundam a praça e o enorme chafariz central, que servia como bebedouro para os animais de carga. Todo o centro histórico desperta lembranças de cenários encontrados em Ouro Preto (MG) e Petrópolis (RJ). 

Praça Vassouras
Palmeiras imperiais da Praça Barão de Campo Belo, no centro histórico de Vassouras Foto: Liz Batista/Estadão

influência mineira é também deliciosamente sentida à mesa. Tutu de feijão, farofa temperada, couve refogada na manteiga, banana frita, torresmo crocante e linguiças das mais variadas são clássicos dos cardápios locais. O restaurante Relíquia, que fica na praça, é um bom local para desfrutar dessa culinária. Sentar-se à sombra das figueiras de sua calçada para apreciar a beleza do centro histórico, enquanto se saboreia uma caneca da cervejaria local, a Orbital, é programa certeiro para uma tarde prazerosa. O restaurante oferece um bufê ao preço de R$ 42,90 o quilo ou pratos feitos por R$ 14,90 no almoço. 

Casarões e famílias de outros tempos

Seguindo a rua que desce a partir da Igreja  encontra-se o Centro Cultural Cazuza. O casarão de 1845 pertenceu à família da avó (materna) do artista, e a mãe dele, Lucinha Araújo, nasceu na residência. A instituição passou por uma restauração completa financiada pela Sociedade Viva Cazuza e hoje funciona como um polo cultural da cidade, oferecendo aulas de música gratuitas e apresentações de música, teatro e ópera.

Centro Cultural Cazuza, Vassouras
Estátua do cantor Cazuza na exposição permanente sobre o artista no Centro Cultural Cazuza  Foto: Liz Batista/ Estadão

No segundo andar fica uma exposição permanente em homenagem ao cantor. Os visitantes podem ver itens que pertenceram ao roqueiro, rascunho de escritos,  fotos, sua máquina de escrever e uma garrafa de uísque aberta deixada sobre a escrivaninha. Abre de segunda à sexta, das 9h às 17h; aos sábados, das 9h às 16h; e aos domingos, das 9h às 14h. A entrada é gratuita. 

Outro lugar que merece destaque é o Museu Casa da Hera, que fica na chácara que pertenceu a Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930). Benfeitora da cidade de Vassouras e figura feminina emblemática, Eufrásia tem uma biografia fascinante. Foi namorada do político e  abolicionista Joaquim Nabuco durante anos, mas nunca se casou. Independente, após receber uma gorda herança deixada pelos pais, foi viver em Paris. Fora do Brasil, investiu dinheiro na bolsa e fez sua fortuna crescer. 

Museu Casa da Hera, Vassouras
Sala de jantar montada para banquete, mobiliário e louças do início do século 19, no Museu Casa da Hera Foto: Liz Batista/Estadão

No casarão construído em 1830 estão expostos alguns dos pertences deixados por Eufrásia. Toda a parede da fachada é coberta por uma hera verde cuidadosamente aparada para não tampar as incontáveis janelas responsáveis por iluminar cada um dos 22 cômodos. Na época, o vidro era um item caro e feito sob medida. Assim, as numerosas janelas também serviam como um espelho da riqueza dos proprietários. 

A instituição, vinculada ao Ibram (Instituto Brasileiros de Museus), abriga um valioso acervo de móveis, livros, cartas, quadros e até roupas do século 19. E,  em sua parte externa, é possível passear por um bucólico jardim, onde um túnel formado por bambus carrega a promessa de trazer sorte para a vida amorosa de quem o cruza.

Heróis negros

Museu Casa da Hera, Vassouras
Os bonecos de Manoel Congo e Mariana Crioula ficam na área dos bambuzais da Chácara da Hera Foto: Liz Batista/Estadão

Também nos jardins é possível observar uma exposição que remonta um quilombo. No centro da montagem estão duas esculturas que representam heróis negros, Mariana Crioula e o marido, Manuel Congo, líderes do maior levante de negros escravizados  registrado no Rio de Janeiro no século 19. 

 A história conta que 300 negros escravizados participaram da rebelião em 1838. A obra reflete a lembrança de que a riqueza ostentada pelos barões do café está estreitamente ligada ao sistema escravocrata que existiu no Brasil até a assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Os historiadores calculam que,  no Vale do Café, a posse de escravos chegava a representar até 70% do patrimônio das famílias mais ricas. Mas famílias menos abastadas também movimentavam o comércio escravo na região, com dois ou mais  escravos para serviços domésticos e outros trabalhos.

Outra maneira de conhecer melhor a história dos negros escravizados é participar das apresentações conduzidas pela guia e turismóloga Andréa Pit – Pit de “pit stop de informação”, tamanho é seu conhecimento sobre Vassouras. Vestida com roupas brancas, turbante e colares de contas, Andréa interpreta Mariana Crioula e interage com os turistas, dividindo preciosos conhecimentos da história local. Cantando jongo e chamando os ouvintes de “sinhazinha garbosa” e “sinhozinho bem apanhado”,  ela usa e abusa da linguagem típica do período para envolver o público em suas narrativas – e, por que não, criar um desconforto que faz pensar.  

Andreia Pit
A turismóloga Andréia Pit assume o papel da heroína negra Mariana Crioula para falar da história de Vassouras Foto: Liz Batista/Estadão

Em Vassouras, hotéis, pousadas e até um eco resort atendem os mais diferentes gostos e orçamentos de hospedagem. Um dos mais tradicionais hotéis da cidade, o Santa Amália, que foi no passado um convento, oferece quartos para casais e família, tem serviço de pensão completa e uma ampla área de lazer com uma agradável piscina que serve de ambientação para festas temáticas. Ali, à noite, é possível tomar um drinque e observar o céu estrelado. Diárias no fim de semana a partir de R$ 306 o casal, com café da manhã.

Fonte: O ESTADÃO