Tem café, cachaça, leite e queijo, comida farta à beira do fogão de lenha e boa prosa. Fazendas produtivas, criação no curral, casarões imponentes, estradas, trilhas, mirantes e ar fresco ao sopé da montanha. Parece um cenário típico das pequenas cidades de Minas, mas é o Vale do Café, no interior do Rio de Janeiro, importante região econômica do Brasil Imperial. O turista mineiro costuma ter duas rotas preferidas quando decide descer a BR-040 rumo ao Rio de Janeiro. No inverno, a região serrana é o destino preferido, especialmente Petrópolis e adjacências, pela infraestrutura hoteleira, restaurantes e passeios históricos. No verão, é impossível não esbarrar em um vizinho na fila do supermercado em Cabo Frio ou encontrar um conhecido enquanto estende a canga em Búzios ou Rio das Ostras.
Entretanto, embora não disponha de farta extensão territorial como Minas Gerais, o estado do Rio é cheio de surpresas e peculiaridades. Uma das regiões que vem se redescobrindo nos últimos anos é o Vale do Café, a pouco mais de 100 quilômetros da capital, que viveu seu apogeu e ruína financeira durante o período imperial. Entre 1830 e 1850, o vale se desenvolveu graças aos barões do café, que encheram as burras de dinheiro às custas de trabalho escravo – os africanos eram 2/3 da população local à época – e de uma agricultura extensiva, sem se preocupar com a qualidade do solo.
Mas na segunda metade do século 19, as terras ficaram arrasadas e a Lei Áurea, de 1888, aboliu a mão de obra escrava. Fazendas foram hipotecadas e, por causa do endividamento, casarões acabaram abandonados com tudo dentro: pratarias, obras de arte, móveis, pianos e tudo que o fino gosto europeu poderia oferecer às famílias dos barões. Depois de longo período de abandono, muitas dessas fazendas vêm sendo compradas e transformadas em empreendimentos de hotelaria e fazendas produtivas que oferecem inúmeras experiências aos turistas. Algumas delas se reuniram em 2015, formando o grupo Vale do Café Rio, que fomenta o turismo e a cultura da região.
PRAÇA DE HISTÓRIAS
Para o viajante que gosta de mergulhar na história dos lugares que visita, o ponto de partida ideal para conhecer o Vale do Café é a Praça Barão do Campo Belo, no Centro de Vassouras, a 110 quilômetros do Rio. Ao redor da enorme praça, de grama bem cuidada e um enorme chafariz, de 1846, estão os casarões dos mais proeminentes barões da época, como a casa do barão de Itambé (única de barroco mineiro) e do barão do Ribeirão, que já serviu de prefeitura e cadeia pública. No período escravocrata, os negros se encontravam na praça todas as manhãs, para abastecer a casa dos barões e, ali, combinavam fugas e trocavam informações. No alto da praça está a Matriz Nossa Senhora da Conceição, de 1928, a construção mais antiga da cidade. Uma das novas atrações da praça é o Centro Cultural Cazuza, aberto no casarão onde nasceu Lucinha Araújo, mãe do cantor. O centro tem uma exposição permanente sobre vida e obra de Cazuza e, no primeiro ano de funcionamento, recebeu 350 mil turistas. A entrada é gratuita.
Ouro verde de volta à região
Rio das Flores, Barra do Piraí (RJ) – O Vale do Café está a cerca de 120 quilômetros do Rio de Janeiro, praticamente a mesma distância até Juiz de Fora. Por isso não é de estranhar que ali, nas varandas e na cozinha das confortáveis fazendas transformadas em pousadas, a cultura dos dois estados se encontrem. A proximidade com a cidade mineira também ajuda a fomentar o turismo do vale por outro motivo. “Juiz de Fora é a cidade mais próxima com aeroporto com voos comerciais. Recebemos turistas de diversas regiões que voam até lá e seguem até nossa fazenda”, conta Camila Carrara, da Fazenda União, cujo casarão-sede, construído em 1836, é um verdadeiro cartão-postal. O luxuoso hotel fazenda tem 28 acomodações, de diferentes preços, piscina e heliponto. A imponente sede exibe a terceira maior coleção de porcelana com brasões da nobreza do período imperial, além de itens que pertenceram à família real. A capela e diversas obras expostas são do artista autodidata Jerônimo Magalhães, de Barra do Piraí. A União também é uma das fazendas que têm se dedicado a trazer o café de volta ao vale. Mas, ao contrário da produção em larga escala, que esgotou o solo no século 19, a produção agora é voltada aos grãos especiais, produzidos em lotes menores, dedicados a extrair o melhor do fruto. Nos últimos quatro anos, algumas fazendas têm o processo de produção acompanhado pelo Sebrae e por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras, no Sul de Minas. Continua depois da publicidade
Entre elas está a Fazenda Aliança, adquirida em 2007 pela arquiteta argentina Josefina Durini, que restaurou a sede por quatro anos utilizando materiais existentes dentro da propriedade, que se estende por 70 alqueires – cerca de 40% de mata nativa. Originalmente, a fazenda pertenceu ao 3º barão do Rio Bonito, que adquiriu as terras em 1861 exclusivamente para produção de café. Os enormes terreiros de pedras, com canais de águas para conduzir os grãos, são originais.
Experiências gastronômicas
Josefina consegue conciliar uma fazenda produtiva com o turismo: recebe grupos de turistas interessados em conhecer como é o dia a dia de uma fazenda: do cuidado com os mais de 130 búfalos, caminhada pelas estradas e a experiência de um pôr do sol regado a caipirinhas em um mirante construído no ponto mais alto da fazenda. As verduras, legumes e temperos são colhidos da horta orgânica, e do leite de búfala é produzida uma excelente muçarela e, da carne, uma linguiça saborosa.
Ainda na região, vale uma esticada até a Cachaçaria Werneck, uma das mais premiadas cachaças do país, produzida pelo engenheiro aposentado Eli Werneck, idealizador do projeto sustentável. As visitas são guiadas pelo simpático Eli, que produz anualmente entre 10 mil e 12 mil litros de cachaça extraída da cana, que ocupa um quarto dos 11 hectares do sítio da família.
Um Inhotim da música
Engenheiro Paulo de Frontin (RJ) – De orquídeas plantadas pelo cantor Lenine a cactos doados pela família do baterista Wilson das Neves (1936-2017), andar pelos 135 mil metros quadrados do jardim ecológico Uaná Etê é sentir a forte conexão que existe entre a música e a natureza. Uaná Etê significa multidão de vaga-lumes na língua geral indígena. Foi o nome que os músicos Cristina Braga e Ricardo Medeiros escolheram para o jardim, inaugurado em 2014 e que recebe cerca de 800 visitas por mês. Uaná Etê fica na RJ 121, em Engenheiro Paulo de Frontim, a 15 minutos de Vassouras e 30 minutos de Barra do Piraí. É inevitável não compará-lo a Inhotim – guardadas as devidas proporções, claro. Uaná Etê é uma espécie de Inhotim da música, que propõe uma reflexão sobre arte e natureza a partir de espaços que unem som e energia. Entre as atrações permanentes estão o bosque dos sinos, o labirinto da música, a árvore das infinitas possibilidades (onde os visitantes amarram fitas de cetim com seus desejos e agradecimentos), além de espaços para meditação e trilhas.
Fonte: O Estado de Minas