Depois de quase um século, a região do Vale do Café está voltando a produzir… café! E do tipo especial, que exige uma cultura artesanal, adotada por diversas fazendas da região, muitas delas também centenárias. Maior produtor mundial da commodity na virada do século XIX para o XX, o Vale do Paraíba fluminense — que abrange 15 municípios — está reintroduzindo os cafezais, em um projeto apoiado pelo Sebrae.
Você já ouviu falar em memória olfativa? Nossos cérebros são verdadeiras caixinhas de lembranças, e basta um estímulo para abrir essa caixa e nos levar ao encontro a pessoas e lugares, associando o cheiro a momentos importantes de nossas vidas. O aroma do café nos conecta aos nossos lares, famílias e momentos felizes. O café como apreciamos hoje se tornou conhecido nos últimos três séculos, e sua trajetória até chegar ao Brasil tem muita história para contar.
Não existem registros oficiais sobre a origem do café. Sabe-se, entretanto, que se trata de uma planta nativa das regiões altas da Etiópia (Cafa e Enária). Segundo uma das lendas, foi um pastor etíope, chamado Kaldi, quem percebeu que havia algo diferente nas plantas da região. Ele havia alimentado suas cabras com arbustos e folhagens que tinham um fruto amarelo avermelhado e notou que os animais ficaram mais animados e com energia, a medida em que mastigavam os frutos.
Intrigado com o comportamento de suas cabras, ele levou uma amostra da planta para um monge. O religioso, inicialmente, não aprovou a ideia, e mandou que as plantas fossem jogadas numa fogueira. Quando os monges sentiram o aroma dos grãos torrados, ficaram encantados e curiosos. Eles então resolveram preparar uma infusão com as plantas e frutos. Assim que consumiram o preparo, comprovaram que ele causava mesmo uma certa agitação. Considerando os efeitos positivos, os monges passaram a consumir o preparo dos frutos nas noites de reza. Mas foi no Iêmen que a planta ganhou o nome que é conhecido nos dias de hoje, denominadas inicialmente como Kaweh, Kahwah ou Cahue, que significa Força.
No Brasil as raízes do café foram plantadas no século XVIII, quando as mudas da planta foram cultivadas pela primeira vez que se tem notícia, por Francisco de Melo Palheta, em 1727, no Pará. A partir daí, o café foi difundido timidamente no litoral brasileiro, rumo ao sul, até chegar à região do Rio de Janeiro, por volta de 1760. Porém, sua produção em escala comercial para exportação ganhou força apenas no início do século XIX. Tal dimensão de produção cafeeira só foi possível com o aumento da procura do produto pelos mercados consumidores da Europa e dos Estados Unidos.
Mas a partir de 1880, a situação econômica do café começa a ficar ruim, devido à pouca utilização de novas técnicas na produção, ao inevitável e necessário processo abolicionista, crise de superprodução em 1897 e à política deflacionista de 1898 a 1902. O café encontrou uma série de limitações de terra, tanto para a sua expansão, como para o rendimento econômico. A erosão e a exaustão diminuíram ainda mais a oferta de terras, provocando deslocamentos para o Oeste Paulista.
Agora, com apoio do programa do Sebrae chamado de “Vocações regionais da cafeicultura fluminense”, os pés de café voltaram a florescer. Para isso, projetos personalizados para cada fazenda foram desenvolvidos pelo professor Flavio Borem, degustador e especialista em qualidade do café do Departamento de Engenharia da Universidade Federal de Lavras (MG). A ideia era simples. Foi lançado um processo de identificação geográfica, correlacionando as atividades turísticas com os produtores da região. “Quando eu ainda era secretário de Turismo de Vassouras, escutava muito as pessoas perguntando sobre o fim do Vale do Café e isso me incomodava muito”, conta Wanderson Farias, assessor especial da Secretaria Estadual de Turismo e coordenador das ações do turismo da região.
“Passei a estudar o assunto. Até descobrir que aqui nós temos um café campeão que é o café da Fazenda Florença, uma propriedade de 1852 com uma cafeteria no meio do cafezal. Era turismo de experiência na veia!”, conta Wanderson. Com o apoio do Sebrae, foram realizadas inúmeras reuniões com produtores até a consolidação do Arranjo Produtivo Local (APL) do Café, que conta com o apoio das secretarias estaduais de Agricultura, Turismo e Desenvolvimento Econômico, além do Sebrae. “Os municípios são convidados e dentro desse APL a gente, por exemplo, tem o produtor de café que precisa de apoio para exportação. Nós conseguimos encurtar esse caminho através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que trata desse assunto. Já um outro produtor que quer produzir cafés especiais e precisa de uma análise de solo conta com o apoio da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER-RJ)”, explica ele.
Hoje o Vale do Café já conta com cerca de 40 produtores fazendo cafés especiais. Dentre os principais destacam-se o Café Grão Louzada, produzido na Serra da Beleza, em Valença; o Kafé Vassourense Especial, de Vassouras; o Do Pé ao Pó, também em Valença; o Café do Museu, em Vassouras; ou o Café Serras Verdes, de Conservatória. A maior parte deles costuma sair por volta de R$ 50 o quilo, mas alguns destes produtores têm lançado safras especiais que superam a faixa dos R$200.
Fonte: RioJa