Toda vez que entra no escritório da sede de sua fazenda em Conservatória, Rodrigo Du’Valle abre um sorriso. Pelas estantes estão espalhadas nada menos do que 14 medalhas obtidas pelos queijos que sua família fabrica há quatro gerações na região do Vale do Café. São distinções relevantes, como medalhas do Mondial du Fromage, competição que reúne anualmente produtores de mais de 50 países na cidade de Tours, na região Central da França. “Eu brinco que nas minhas veias não corre sangue, mas leite”, brinca Rodrigo.
A história da empresa começou em 1910, quando seu tataravô, Leopoldo Vieira Du’Valle, começou a curar queijos em Pedro Carlos, distrito de Conservatória. Como sua intenção era vender na capital, ele não podia fabricar queijos frescos, chamados frescal, porque não aguentavam viagens longas ou climas mais quentes. Ele então curava os queijos no porão da fazenda e depois transportava no lombo de burros até a capital.
“Quando ficou velho, ele passou a produção para meu bisavô, o vovô Catão. E até minha bisavó participava da fabricação. Então eu cresci ouvindo falar de como era dividido o processo. Ela teve 12 filhos e cada um ficava responsável por um pedaço da produção. Um cuidava da cura, minha avó cuidava da manteiga e do requeijão”, lembra Rodrigo: “Até o doce de leite que fazemos hoje é receita da minha avó. São cinco horas mexendo manualmente o doce em um tacho de cobre. E não dá nem para dar uma paradinha pro descanso, são cinco horas no braço”.
Feitos a partir de leite cru de vaca, dois produtos da queijaria Du’Valle fizeram bonito em concursos franceses: os queijos Pérola e Ouro, ambos com maturação acima de três e seis meses, respectivamente, receberam medalha de bronze na França. Já o Serenata, um minas padrão de massa semicozida e macia, com um mês de maturação, levou ouro, em agosto passado, na Expo Queijos realizada em Araxá, em Minas Gerais, com participantes de 11 países. “Mas meu maior orgulho é um queijo nosso chamado Pérola Negra. Ele já ganhou três medalhas, uma delas de ouro, que pra mim foi a mais difícil de conquistar, num evento que reuniu queijeiros de 12 países”, diz Rodrigo.
“O queijo artesanal é vivo. Ele muda e não aceita desaforo. No verão ele está de um jeito, no inverno de outro jeito. Todo nosso queijo é feito a partir de leite cru, ou seja, que não recebeu nenhum tratamento, nenhuma química, não foi pasteurizado, então é um queijo vivo, de microbiota viva. Ou seja, as bactérias lácteas do queijo estão vivas, e elas vão consumindo a lactose do queijo e transformando em acido lácteo. Então o queijo entra lá branquinho e vai se transformando, transformando, até revelar o terroir único da fazenda”, conta Rodrigo.
Outro destaque da região entra na conta do Caprinos do Lago, queijo de sabor intenso feito, como indica o nome, com leite de cabras e maturação de pelo menos um ano. Produzido na bucólica queijaria Capril do Lago, localizada às margens da Rodovia RJ-145, foi o único não europeu a chegar à fase final do Mondial du Fromage, terminando em sétimo lugar geral na categoria queijos de cabra.
“Foi a primeira vez que um queijo de cabra do Brasil figurou na lista dos melhores do mundo”, orgulha-se o dentista e produtor Fabrício Vieira, que começou a fazer os queijos por hobby há poucos anos. “Aos 12 anos, pedi de presente uma vaca, mas meu pai me deu uma cabra. Isso foi em 1986. Desde lá uma paixão surgiu. E mais recentemente, com a pandemia, preso no sítio, comecei a fazer queijos”, conta.
Tanto a Capril do Lago quanto a Queijos Du’Valle fazem parte, juntamente com mais duas queijarias de Valença — a Latte Buono, que produz queijos com leite de búfala, e a Vale do Vento, com produtos a base de leite de vaca — da Rota do Queijo, roteiro pensado para aproximar turistas e produtores artesanais, com apoio da Secretaria estadual de Turismo e incluída no catálogo de informações turísticas fluminenses.
Os grupos de visitantes saem às 8h para uma jornada que vai até as 16h. No caminho, as experiências se multiplicam: além da inevitável e muito esperada degustação de queijos, é possível ordenhar uma cabra, fazer seu próprio queijo de búfala ou conhecer a caverna onde as peças da Du’Valle são maturadas em ambiente com temperatura e umidade controladas. Também faz sucesso entre os visitantes um surpreendente desfile de vacas ao som do berrante tocado por Rodrigo du’Valle. “Hoje somos quatro participantes, mas nos próximos meses já temos outros 13 produtores de queijos artesanais que vão aderir ao projeto”, adianta Rodrigo.
QUANTO PIOR O CHEIRO, MAIS CAROS
“É impossível governar um país com 325 queijos”, afirmou certa vez o presidente francês Charles de Gaulle. A boutade do famoso general e estadista talvez não faça assim muito sentido. Embora na terra dos irredutíveis gauleses existam queijos para todos os bolsos, gostos e olfatos, a França (acredite) não é a maior produtora de queijos do mundo, e está distante de produzir os mais sofisticados deles – embora detenha a medalha de ouro no quesito variedade. Fala-se que existem mais de mil queijos franceses diferentes! E os mais fedorentos estão entre os melhores.
Os Estados Unidos lideram o ranking de produção com 5,5 mil toneladas por ano, seguido pela Alemanha, com 2,7 mil toneladas. A França leva apenas o bronze com 1,8 mil toneladas anuais. Por essa métrica, o Brasil não faz feio. Aqui se produz anualmente cerca de 1,5 mil toneladas de queijos. A maioria de composição menos rebuscada, como muçarelas, pratos ou queijo minas. E embora os mineiros falem muito dos queijos da Serra da Canastra, que ocupam a 24ª colocação entre os 100 melhores do mundo pelo Taste Atlas, espécie de enciclopédia da gastronomia mundial, recentemente o maior destaque tem sido o Azul da Mantiqueira, da Laticínios Paiolzinho, de Cruzília, que ganhou a medalha de ouro no World Cheese Awards 2022, repetiu o feito no ano passado, e pode ser encontrado por uns R$ 80 o quilo.
Agora se segure na cadeira. Embora o Pule, produzido na Sérvia, seja considerado um dos queijos mais raros do mundo (e custa 979 euros o quilo), o mais caro deles é fabricado na…. Inglaterra! Isso mesmo. O Frome Cheese Platter custa a bagatela de US$ 7 mil o quilo. Tamanho luxo se deve ao fato do “Frome” ser harmonizado com trufas, caviar, folhas de ouro comestíveis e obrigatoriamente servido em uma bandeja de prata. É mais ou menos o preço de 2.592 caixas de polenguinho.
Fonte: RioJá